quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A Escola de Frankfurt e o Politicamente Correcto - Parte 2

Esta é a 2ª Parte dum artigo iniciado aqui.

II. O Establishment Torna-se Bolchevique: O "Entretenimento" Substitui a Arte

Antes do século 20, a distinção entre a arte e o "entretenimento" era muito mais vincada. Certamente que era possível ser-se entretido pela arte, mas a experiência era activa e não passiva. Antes de mais, era preciso, tinha que se tomar a decisão consciente de ir para um concerto, ver uma certa exibição de arte, comprar um livro ou um pedaço de folha de música.  Era muito pouco provável que mais que uma fracção infinitesimal da população tivesse a oportunidade de ver O Rei Lear ou ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven mais do que uma ou duas vezes durante uma vida.

A arte exigia que se trouxessem todos os poderes de concentração e de conhecimento para o assunto, como forma de poder desfrutar melhor da experiência; caso contrário a experiência era considerada desperdiçada. Estes eram os dias onde a memorização de poesia e de peças inteiras, e a reunião de amigos e familiares para um "concerto de salão", eram a norma (até nas zonas rurais). Estes eram também os dias da "apreciação musical"; quando alguém estudava música, como muitos faziam, eles aprendiam a tocá-la e não só a apreciá-la.

No entanto, as novas tecnologias da rádio, dos filmes e música gravada, representavam, e vou usar as palavras Marxistas apropriadas, um potencial dialéctico. Por um lado, estas tecnologias traziam consigo a possibilidade de trazer os melhores trabalhos de arte para milhões de pessoas que, de outro modo, não teriam acesso a ela. Por outro lado, o facto da experiência ser infinitamente reprodutível, poderia causar a que a mente da audiência de desligasse, fazendo da experiência algo menos sagrado, e aumentando desde logo a alienação. Adorno chamou a este processo de "desmitologização".

Num artigo crucial publicado em 1938, Adorno lançou a hipótese de que esta nova passividade poderia fragmentar a composição musical em partes de "entretenimento", que poderiam ser alvo dum "fetiche" na memória do ouvinte, e as partes difíceis, que seriam esquecidas. Adorno continua:
A contrapartida para o fetichismo é a regressão da audição. Isto não significa a recaída do ouvinte individual para uma fase anterior do seu desenvolvimento, nem um declínio no nível colectivo geral, visto que os milhões que actualmente são alcançados musicalmente pela primeira através dos meios de comunicação em massa não podem ser comparados com as audiências do passado.
Em vez disso, é a audição contemporânea que regrediu, presa numa fase infantil. Não só os sujeitos alvo de audição perdem, juntamente com a liberdade de escolher e a responsabilidade, a capacidade para a percepção consciente da música ..... eles flutuam entre o esquecimento compreensivo e mergulha rapidamente para o reconhecimento. Eles ouvem atomisticamente e dessassociam o que ouvem, mas precisamente nesta dessassociação eles desenvolvem certas capacidades que estão menos de acordo com os conceitos tradicionais de estética do que aqueles do futebol ou automobilismo. Eles não são parecidos a crianças.... mas eles são infantis; o seu primitivismo não é aquele dos subdesenvolvidos, mas o dos forçosamente retardados.
Esta retardação e este pré-condicionamento conceptual causado pelo ouvir, sugeriu que a programação poderia determinar a preferência. O próprio acto de colocar na rádio, por exemplo, algo de Benny Goodman a seguir a uma sonata de Mozart, tenderia a amalgamar ambos dentro da esfera de "música-da-rádio"  de entretenimento na mente do ouvinte. Isto significava que até ideias novas e repulsivas se poderiam tornar populares "dando-lhes um novo nome" através do homogeneizador universal da indústria cultural. Tal como disse Benjamim:
A reprodução mecânica da arte altera a reacção das massas em relação a mesma. A atitude reaccionária em relação a uma pintura de Picasso altera e passa a ser uma reacção progressiva em favor dum filme de Chaplin. E reacção progressiva caracteriza-se pela fusão directa e íntima da diversão visual e emocional com a orientação do perito.... Em relação ao ecrân, as atitudes críticas e receptivas do público coincidem. O motivo disto é o facto das reacções individuais serem pré-determinadas pela resposta que está em vias de ser produzida das audiências em massa, e isto em lugar algum é mais óbvio que nos filmes.
Ao mesmo tempo, o poder mágico dos média pode ser usado para redefinir as ideias anteriores. "Shakespeare, Rembrandt, Beethoven irão todos fazer filmes," concluiu Benjamim, citando o pioneiro cinematográfico Francês Abel Gance, "... todas as lendas, todas as mitologias, todos os mitos, todos os fundadores de religiões, e a próprias religiões ... esperam pela sua ansiada ressurreição."

Controle Social: O "Projecto Rádio"

Eis aí, então, algumas teorias potentes de controle social. As enormes possibilidades deste trabalho da Escola de Frankfurt em relação aos média foi provavelmente o factor mais importante que fez com que o Establishment desse o seu apoio ao Instituto logo depois do mesmo se ter transferido para a América em 1934. Em 1937 a Fundação Rockefeller começou a financiar as pesquisas em torno dos efeitos sociais destes novos meios de comunicação, particularmente da rádio.

Antes da Primeira Grande Guerra, a rádio havia sido um brinquedo para os amadores, com apenas 125,000 dispositivos instalados em todos os Estados Unidos; vinte anos mais tarde, a rádio havia-se tornado no meio de entretimento primário no país; das 32 milhões de famílias que existiam nos EUA, 27,5 tinham rádios - uma percentagem maior do que aquelas famílias que tinham telefones, automóveis, canalização e electricidade.

No entanto, até essa altura, numa pesquisa sistemática havia sido feita. A Fundação Rockefeller alistou várias universidades, e sediou este rede na "School of Public and International Affairs" na Universidade Princeton. Com o nome de "Office of Radio Research", o projecto ficou popularmente conhecido como "The Radio Project."

O director do projecto foi Paul Lazersfeld, filho adoptivo do economista Marxista Austríaco Rudolph Hilferding, e um colaborador de longa data do Instituto de Pesquisa Social durante o princípio dos anos 30. Abaixo de Lazersfeld encontrava-se Frank Stanton, recém doutorado em psicologia industrial através da Ohio State, que havia sido recentemente nomeado director de pesquisas da "Columbia Broadcasting System" - nome pomposo mas uma posição modesta.

Depois da Segunda Grande Guerra, Stanton tornou-se presidente da "CBS News Division", e por fim presidente da CBS no ponto mais elevado do poder desta emissora televisiva. Para além disso, ele tornou-se também Presidente do Conselho da "RAND Corporation", e membro do "gabinete da cozinha" do President Lyndon Johnson. Entre os pesquisadores do Projecto encontrava-se Herta Herzog, que se casou com Lazersfeld e torno-se directora de pesquisas para a "Voice of America"; e Hazel Gaudet, que se tornou numa das mais importantes pesquisadores políticas. Theodor Adorno foi nomeado chefe da secção musical do Projecto.

Apesar da lustro oficial, as actividades do "Radio Project" deixaram bem claro que o seu propósito era o de testar empiricamente a tese de Adorno e de Benjamim de que o efeito práctico meios de comunicação poderia ser o de atomizar e aumentar a labilidade - algo que mais tarde seria identificado pelas pessoas como "lavagem cerebral".

Novelas e a Invasão de Marte

Os estudos iniciais foram prometedores. Herta Herzog produziu "On Borrowed Experiences," a primeira pesquisa compreensiva em torno das telenovelas. O formato "drama radiofónico em série" foi inicialmente usado em 1929, sob inspiração do antigo filme em série com um final incerto "Perils of Pauline". Uma vez que estas pequenas peças de rádio eram fortemente melodramáticas, passaram a estar popularmente identificadas com a grande ópera Italiana; e uma vez que estas peças eram frequentemente patrocinadas por produtores de sabão, passaram a ser conhecidas com o nome genético de "soap opera."

Até ao trabalho de Herzog pensava-se que a imensa popularidade deste formato encontrava-se entre as mulheres de nível sócio-económico mais baixo, que, nas circunstâncias restritivas das suas vidas, precisavam dum escape útil rumo a lugares exóticos e circunstâncias românticas.

Um artigo típico desse período feito por duas psicólogos da Universidade de Chicago, "The Radio Day-Time Serial: Symbol Analysis", publicado no "Genetic Psychology Monographs", enfatizou solenemente a positiva, alegando que as radionovelas "funcionavam essencialmente como os contos populares, expressando as esperanças e os temores da audiência feminina, e, no seu todo, contribuíam para a integração da sua vida com o mundo onde viviam."

Herzog apurou que, na verdade, não havia qualquer correlação com o estatuto socioeconómico. E mais ainda, havia muito pouca correlação em relação ao conteúdo. O factor chave - tal como as teorias de Adorno e Benjamim sugeriram que seria -  era a forma da série em si; as mulheres estavam a ser efectivamente viciadas ao formato, não tanto para serem entretidas ou para usarem isso como um escape, mas sim "para saber o que acontece na semana seguinte." De facto, segundo apurou Herzog, era possível duplicar o número de ouvintes dividindo a peça em segmentos.

Os leitores modernos irão reconhecer imediatamente o facto desta lição não ter passado despercebido à indústria cinematográfica. Actualmente, este forma em série alastrou-se para a programação infantil, e até para programas com orçamentos elevados do horário nobre. Os programas mais vistos da história da televisão continuam a ser a parcela da série Dallas com o nome de "Who Killed JR?", e o episódio final da série M*A*S*H, ambos publicitados sob o formato "o que acontecerá a seguir?". Até filmes tais como as trilogias Star Wars e Back to the Future estão actualmente a ser produzidos como séries, de modo a  prender a audiência para futuros episódios.

Na era actual, as humildes novelas diurnas continuam a ter a suas qualidades viciantes: 70% de todas as mulheres Americanas com mais de 18 anos assistem a pelo menos duas destas novelas todos os dias, e há um rápido aumento de audiência entre os homens e entre estudantes universitários de ambos os sexos.

O estudo importante seguinte levado a cabo pelo "Radio Project" foi uma investigação dos efeitos da peça radiofónica de Orson Wells emitido durante o Halloween de 1938 "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells. Seis milhões de pessoas ouviram a emissão realisticamente, descrevendo a invasão por parte duma força de Marcianos na zona rural de New Jersey. Apesar das repetidas e claras declarações de que o programa era uma ficção, cerca de 25% dos ouvintes pensaram que o mesmo era real, entrando de seguida em pânico. Os pesquisadores do "Radio Project" apuraram mais tarde que a maioria das pessoas que entraram em pânico não pensavam que homens de Marte tinham invadido, mas sim que os Alemães haviam invadido os Estados Unidos.

Foi assim que as coisas aconteceram: os ouvintes haviam sido psicologicamente pré-condicionados pelas reportagens de rádio provenientes da crise de Munique do princípio desse ano. Durante essa crise, o repórter da CBS colocado na Europa, Edward R. Murrow, teve a ideia de interromper a programação regular para apresentar pequenos boletins noticiosos. Pela primeira vez na história da rádio as notícias eram apresentadas não em peças analíticas longas, mas em pequenos clips - o que actualmente nós chamamos de "audio bites."

No ponto mais alto desta crise, estes flashes noticiosos eram tão numerosos, que, nas palavras do produtor de Morrow, Fred Friendly, "os boletins noticiosos estavam a ser interrompidos por outros boletins noticiosos." À medida que os ouvintes foram assumindo que o mundo estava à beira duma guerra, a audiência da CBS aumentou dramaticamente.

Mais tarde, quando Wells levou a cabo a sua emissão de rádio fictícia, e já depois da crise ter retrocedido, ele usou a técnica dos boletins noticiosos para dar à peça uma aura de verosimilhança; Wells começou a emissão com um programa musical fictício, que foi constantemente interrompido com "reportagens no local" (em New Jersey) cada vez mais aterrorizantes. Os ouvintes que entraram em pânico, não reagiram ao conteúdo, mas ao formato dos boletins noticiosos; eles ouviram "Interrompemos este programa para um boletim noticioso urgente" e "invasão" e imediatamente concluíram que Hitler havia invadido.

A técnica das novelas, transposta para o mundo noticioso, havia funcionado numa escala vasta e inesperada.

"Little Annie" e o "sonho Wagneriano" da TV

Em 1939, uma das publicações do trimestral Journal of Applied Psychology foi dado a Adorno e ao "Radio Project" como forma de publicarem alguns dos seus achados. A conclusão foi a de que os Americanos, durante os últimos 20 anos, haviam-se tornado "radio-conscientes", e que a sua audição se havia tornado tão fragmentada que a repetição do formato era a chave para a popularidade. A lista de reprodução determinava os "hits" [ed: sucessos] - uma verdade sobejamente conhecida pelo crime organizado de então e o actual - e a repetição poderia transformar qualquer tipo de música ou qualquer artista, até um artista de música clássica, numa "estrela.Desde que o formato ou o contexto se mantivessem familiares, practicamente qualquer conteúdo se tornaria aceitável.

Alguns anos mais tarde, Adorno, e em jeito de resumo do material, afirmou:
Não só as músicas de sucesso e as novelas são ciclicamente recorrentes e tipos rigidamente invariáveis, mas o próprio conteúdo específico do entretenimento deriva deles, e só superficialmente parecem alterar. Os detalhes são intercambiáveis.
O sucesso mais elevado do "Radio Project" foi "Little Annie", que recebeu o título oficial de "Stanton-Lazersfeld Program Analyzer". A pesquisa do "Radio Project" havia demonstrado que todos os métodos prévios de averiguação das intenções populares eram ineficazes. Até essa altura, uma audiência escolhida para pré-visualizar ouvia um espectáculo ou via um filme, e era posteriormente questionada com perguntas gerais: "gostou do filme? O que achou da actuação de fulano?"

O "Radio Project" apercebeu-se que este método não levava em consideração a percepção atomizada da audiência de teste em torno do assunto, e exigiu que essa audiência fizesse uma análise racional sobre o que tinha como propósito ser uma experiência irracional. Devido a isto, o "Radio Project" criou um engenho onde cada membro da audiência de teste recebia um tipo de reóstato onde ele poderia registar a intensidade do que gostava e do que não gostava numa base momento-a-momento. Ao comparar os gráficos individuais produzidos pelo engenho, os operadores poderiam determinar, não se a audiência gostava do programa - que era irrelevante - mas quais as situações ou as personagens que produziam um estado positivo, mesmo que momentário.

Little Annie transformou a rádio, os filmes e, de maneira geral, a programação televisiva. A CBS ainda mantem instalações para analistas de programas em Hollywood e em New York; é dito que os resultados correlacionam-se 85% para as estimativas. As outras redes e os outros estúdios cinematográficos têm também operações semelhantes.

Este tipo de análise é responsável pelo inquietante sentimento que temos quando, ao assistirmos a programa de TV ou um filme, ficamos com a sensação de já o termos visto anteriormente.  De certa forma, já vimos muitas vezes. Por exemplo, se um analisador de programa indicar que as audiências ficaram particularmente e positivamente afectadas com um certo tipo de actor a beijar um certo tipo de actriz, o formato dessa cena será colocado em dúzias de roteiros - transposta da Idade Média, ao espaço, etc, etc..

O "Radio Project" também se apercebeu que a televisão tinha o potencial de intensificar todos os efeitos que haviam sido estudados. A tecnologia da TV já estava disponível há alguns anos, e ela havia sido exibida na Feira Mundial de 1936, mas a única pessoa que tentou fazer uma utilização séria deste meio de comunicação foi Adolf Hitler. Os Nazis transmitiram "ao vivo" eventos tais como os Jogos Olímpicos de 1936 em salões de exibição comunitários por toda a Alemanha; eles estavam a tentar expandir o sucesso que haviam tido com a rádio como forma de Nazificar todos os aspectos da cultura Alemã. Os outros planos que eles tinham para o desenvolvimento da TV Alemã foram colocados de parte devido aos preparativos para a guerra.

Escrevendo em 1944, Adorno entendia perfeitamente este potencial:
A televisão tem como propósito fazer a síntese entre a rádio e o cinema, e tem sido retida porque as partes interessadas ainda não chegaram a um acordo; mas as suas consequências serão enormes e elas prometem intensificar o empobrecimento da questão estética de maneira tão drástica, que amanhã, a levemente velada identidade de todos os produtos da indústria cultural podem sair para fora, triunfantes, cumprindo, com ironia, o sonho Wagneriano do Gesamtkunstwerk - a fusão de todas as artes numa só obra.
O ponto óbvio é este: as formas profundamente irracionais do entretenimento moderno - o conteúdo erotizado  e estúpido da maior parte da TV e dos filmes, o facto de que a tua estação de rádio de música Clássica programar Stravinsky a seguir a Mozart - não tinham que ser assim. Isto foi programa para ser assim e o design foi tão bem sucedido que actualmente ninguém coloca em causa os motivos ou as origens.

Continua na 3ª Parte.....





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