sábado, 10 de setembro de 2011

Maio de 68 e a sua pedofilia

http://blasfemias.net/2009/10/16/os-indulgentes/

Cena 1. O cineasta Roman Polanski foi preso na Suíça sob a acusação de ter mantido relações sexuais com uma menor de 13 anos, nos EUA, em 1977.

Cena 2. Frédéric Mitterrand, ministro francês da Cultura, mostrou-se indignado pela detenção de Polanski que diz motivada por “uma antiga história que não tem realmente sentido”. Face às críticas daqueles que recordavam que a dita história sem sentido incluía sexo e consumo de drogas com uma criança Frédéric Mitterrand respondeu que “O trabalho de um ministro da Cultura é defender os artistas na França.” Cabe perguntar: e se fosse camionista o ministro dos Transportes defendê-lo-ia?

Cena 3. Com quatro anos e meio de atraso sobre a data de publicação da obra, jornalistas e políticos lêem a autobiografia de Frédéric Mitterrand. Nesse livro o agora ministro francês da Cultura dava conta do seu hábito de pagar “a rapazes” na Tailândia.

Cena 4. O eurodeputado Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do Maio de 68 em França, critica Frédéric Mitterrand pela sua tomada de posição no caso Polanski que, ao contrário do ministro francês, considera “um problema de justiça”.

Já sobre o recurso de Frédéric Mitterrand ao turismo sexual provavelmente com menores (ou adultos que dada a ambiência do turismo sexual na Tailândia difícilmente poderão ser considerados tão livres quanto o é um adulto que se prostitui na Europa), Cohn Benndit considerou que as revelações de Frédéric Miterrand são uma espécie de terapia pública.

Cena 5. Voltam a ser referidas as acusações a Cohn Bendit de comportamentos impróprios com crianças. Os factos remontam aos anos 70, época em que o agora eurodeputado trabalhava nos jardins infantis revolucionários de Frankfurt. As acusações baseiam-se naquilo que o próprio Cohn Bendit escreveu em 1975 no livro “Le Grand Bazar” que na época não parece ter chocado ninguém.

Se este alinhamento fosse o esboço de um guião dir-se-ia que tinha demasiadas coincidências. Mas isto não é ficção. É sim o percurso de alguns dos protagonistas de uma geração que era jovem no final dos anos 60.

Uma geração que rejeitou a moral burguesa e ocidental e que não só acreditava que ia fazer muito melhor como acreditava de que pouco havia a aproveitar na sociedade então vigente.


Como é conhecido, o capitalismo, esse eterno reciclador, reservou lugares de destaque e de poder a estes contestatários. Mas o tempo o está a pregar uma enorme partida a essa geração que enquanto teve e tem um discurso muito severo sobre quem a precedeu e se habituou a ser extraordinariamente indulgente consigo mesma.

O que agora os atormenta não é terem chamado libertadores a ditadores, confundido filósofos com chefes de seitas ou, em alguns casos, terem atravessado a ténue linha que então separava a contestação do terrorismo.

O que o tempo agora lhes atira à cara através de interpostas crianças é a memória desses anos em que eles gritavam liberdade, façam amor e não a guerra, eram jovens e belos, em que acreditavam que iam ficar para a História, quiçá ser o seu fim e não concebiam sequer que outras gerações os julgariam.

Com as suas enormes diferenças o drama de Daniel Cohn-Bendit, Frédéric Mitterrand e Roman Polanski é que tudo aquilo que agora lhes é atirado à cara foi senão aprovado pelo menos razoavelmente tolerado em determinados períodos. Basta pesquisar nos arquivos dos jornais, sobretudo dos franceses, para encontrarmos referências aos abaixo-assinados subscritos pelos intelectuais nos anos 70 pedindo a libertação de pedófilos que então não eram vistos enquanto tal mas sim como contestatários da repressão burguesa da sexualidade infantil.

Contudo o que impressiona em 2009 não é tanto o que se diz, fez ou escreveu há trinta anos mas o constatar-se a disponibilidade para novamente, em nome da libertação dos adultos, tomarmos sem grande reflexão decisões que não sabemos como podem interferir com as crianças por elas afectadas.

O caso presente da adopção por casais homossexuais é um exemplo disso mesmo. Que dois homens ou duas mulheres queiram ver reconhecida a sua união como casamento é uma questão entre adultos. Bem diferente é uma sociedade assumir que no futuro existirão crianças que serão identificadas como tendo dois pais ou duas mães. Como irão reagir a isso?

Ao contrário do que por vezes se sugere não vejo que alguém fique homossexual por ser criado por homossexuais – aliás se assim fosse não existiam homossexuais pois até agora todos nascemos em famílias heterossexuais – como nem sequer me parece que essa seja uma questão relevante. O que está em causa é que da nossa identidade fazem parte as figuras de pai e de mãe.

Daí a luta no passado contra a existência de mães e pais incógnitos. E não deixa de ser sintomática desta necessidade a história muitas vezes reconstruída pelos filhos dos divorciados acerca do pai e da mãe, não raras vezes com grande injustiça para os padrastos e madrastas que lhes fizeram as vezes.

Convirá que não esqueçamos que a propaganda passa e os factos ficam. E nestas matérias os factos tendem a confrontar-nos muito mais tarde. Nesse desagradável momento arranjar uns bodes expiatórios como está a acontecer agora com a geração de 70 dá jeito aos indulgentes.

Mas na verdade não é muito leal.

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