Há algum tempo atrás falei dos
limites do feminismo, mas hoje gostaria de explorar ainda mais esse tópico.
O feminismo, como um todo, não deixa de ter o seu apelo. Por exemplo,
quase todas as mulheres do mundo facilmente se aliariam em favor da
luta por "salário igual", e provavelmente muitas concordariam com os
tópicos feministas em redor da violência doméstica e relacionados. No
entanto, o cerne do feminismo de género (a variedade com a qual tu e eu
mais lidamos no mundo ocidental actual) é um que está fundamentalmente
conectado aos desejos das afluentes mulheres brancas ocidentais (acima
dos desejos das outras mulheres) e um que dá prioridade às preocupações
dessas mesmas mulheres brancas.
Nas linhas que se seguem, vou explicar isto de forma mais detalhada.
O Cerne
Para entender isto, é necessário mergulhar nas profundezas da história do feminismo.
O cerne do movimento feminista é a sua oposição aos "papéis de género
tradicionais". O feminismo começou como um movimento construído por
mulheres brancas ocidentais (muitas delas, restritas à sua vida
doméstica) como forma de desafiar a noção de que o lugar da mulher era
em casa e em mais lado nenhum. O movimento buscava, assim, demonstrar
que as mulheres poderiam ser tão bem sucedidas como os homens fora de
casa, para além de procurar demonstrar que as mulheres deveriam ter uma
opinião em relação aos assuntos que eram discutidos fora das suas
cozinhas (por exemplo, o direito ao voto).
O problema é que estes tópicos são, na sua maioria, tópicos que interessam especificamente
às mulheres brancas ocidentais.
Enquanto as mulheres brancas ocidentais lutavam para construir os tais
papéis fora de casa (durante a primeira e segunda vaga do feminismo),
há já muitos séculos que as mulheres Negras, Ameríndias e mesmo
Asiáticas tinham já esses papéis dentro das suas respectivas culturas.
Diferença laboral
Há já muito tempo que as mulheres Africanas trabalhavam fora do
ambiente doméstico. Enquanto que os papéis sexuais (ou papéis de
género) europeus normalmente impediam as mulheres de executar
actividades cruciais para a sustentabilidade da sociedade (por exemplo,
trabalhar nos campos), as mulheres Africanas há já muito tempo que
desempenhavam um papel crucial na sustentabilidade económica das suas
sociedades, executando trabalho de campo extensivo e outras actividades
pouco delicadas mas necessárias.
Isto é verdade mesmo séculos antes da escravatura, e é verdade nos dias
de hoje. Elas, ao contrário das mulheres Europeias, exerciam uma
influência directa na produção e transporte dos alimentos, e influência
sobre outras formas de trabalho. Dentro da comunidade Africana existia
já uma certa expectativa por parte dos homens das mulheres terem algum
tipo de influência fora do ambiente doméstico.
As mulheres Americanas Nativas (Ameríndias e ancestrais da maioria dos
Hispânicos actuais) faziam o mesmo. Era muito comum dentro das suas
comunidades as mulheres Nativas Americanas executarem todo o tipo de de
trabalho manual agrícula e outras formas de trabalho manual.
Quando se estudam as missões "civilizatórias" levadas a cabo pelos
Anglo-Americanos sobre as sociedades Americanas Nativas durante o
século 19, e se examinam os documentos tais como os "Journals" de Lewis
e Clark Journals, veremos que este facto (o das mulheres Ameríndias
trabalharem fora do ambiente doméstico) foi um ponto de discussão que
levou os Anglo-Americanos a buscar soluções para o que eles chamavam de
"problema" Índio.
O facto das mulheres Nativas Americanas executarem qualquer tipo de
trabalho laboral era para os Anglo-Americanos uma evidência da sua
barbárie. Meriwether Lewis qualificou de ridículo o facto das mulheres
Nativas Americanas que ele encontrou terem sido vistas a executar actos
de “labuta” que ele considerava impróprios para as mulheres, facto esse
que ele tomou como evidência de que as culturas Nativas não respeitavam
as mulheres. A maior parte das mulheres Europeias concordou com ele, e
concordaram com ele durante muitos séculos após a sua visita a estas
culturas.
Pode-se ver isto ressalvado nas politicas de "educação" levadas junto
dos Ameríndios, onde os Nativos eram forçados para dentro de reservas
ou internatos para serem "civilizados." Este processo de civilização
fundamentava-se na noção de que eles adoptariam os tradicionais papéis
de género Europeus - os seus homem parariam de caçar e começariam a
trabalhar na agricultura, ao mesmo tempo que as mulheres parariam de
trabalhar no campo e começariam a executar trabalhos de costura.
As mulheres Negras a viver nas Américas, tal como as Americanas Nativas
antes delas, passaram séculos - durante e após a escravatura - a
trabalhar fora do que os Europeus considerariam "papéis de género
tradicionais." As mulheres Brancas ocidentais eram protegidas de
trabalho sério, mantendo-se resguardadas em casa; curiosamente, estas
mesmas mulheres Europeias seriam as mesmas que dariam início ao
movimento feminista, e começariam a exigir mais responsabilidades fora
do ambiente doméstico.
As mulheres Negras já tinham isto, tal como o tinham as mulheres
Americanas Nativas bem como as mulheres Sul-Asiáticas. Do ponto de
vista "feminista", as mulheres Europeias causaram um retrocesso às
mulheres Nativas Americanas e às mulheres Africanas uma vez que elas já
se encontram "livres" do restritivo culto da domesticidade - elas não
precisavam das ricas mulheres brancas para lhes dizer como adquirir
esta "liberdade."
Diferenças na Estrutura Familiar
Muitas mulheres Africanas viviam também em sociedades matrilineares.
Enquanto que as mulheres Europeias viviam numa sociedade que via o seu
casamento com um homem essencialmente como uma confiscação da sua
independência económica e social, a mulher Africana podia manter larga
parte disto devido à organização matrilinear que lhes conferia um
controle maior sobre a família e sobre o futuro dos filhos.
O mesmo ocorria junto da mulher Americana Nativa. Em muitas sociedades
Índias não era incomum a linhagem paterna ser de alguma forma
inconsequente para o estatuto actual da criança, realidade muito longe
das normas Europeias que conferiam o estatuto largamente com base no
nome do pai a passar para a criança.
Diferenças na Dominação Masculina
O feminismo apelou também para o fim do patriarcado e do domínio
masculino sobre a mulher, uma iniciativa que ainda anima o movimento
feminista tal como ele se encontra hoje em dia. O problema, obviamente,
é que o "patriarcado" referido por elas pura e simplesmente não
persistia em todas as sociedades. Os homens Negros, por exemplo, há
séculos que não têm um verdadeiro domínio sobre as suas mulheres. Em
África, era comum o homem ser polígamo e certamente usufruir bastante
autoridade, mas ele também tinha que lidar com organizações sociais
matrilineares que limitavam o seu domínio e a sua influência sobre as
mulheres e sobre os descendentes.
Durante os primeiros séculos da sua presença no novo mundo, o homem
negro era, essencialmente, mais um cavalo da carroça. Ele não tinha
qualquer tipo de verdadeiro poder para manter a família junta (e ela
poderia ser fraccionada a qualquer momento, se o dono de escravos assim
quisesse, muitas vezes, de propósito), e ele (o homem negro) tinha
muito pouco poder para proteger a sexualidade da mulher negra. Em
relação ao homem branco, ele não tinha qualquer tipo de estatuto ou
influência, e o primeiro tinha domínio inquestionável sobre a
capacidade sexual da mulher negra.
O homem branco mantinha as mulheres negras como amantes ou concubinas e
frequentemente engravidava-as com muito pouco oposição por parte dos
homens negros (que pouco ou nada poderiam fazer em relação a isto). O
homem negro não tinha qualquer tipo de poder para impedir as esposas,
as irmãs ou as filhas de serem usadas desta forma, ou serem vendidas de
modo indiscriminado. O homem negro não tinha qualquer tipo de controle
sobre a mobilidade ou sexualidade da mulher negra. Devido a isto,
quando a mulher branca (sobre cuja sexualidade o homem branco mantinha
algum controle) veio a público queixar-se de se libertar do controle
"opressivo" que os homens brancos tinham sobre ela, tornou-se difícil
para os negros interpretarem as coisas desta forma. Historicamente, os
homens negros não têm controlado as mulheres negras dessa maneira.
Para além disso, os homens negros não impediram as mulheres negras de
buscarem papéis e actividades fora do ambiente familiar, muito por
culpa da realidade económica. Os homens negros, ao contrário dos seus
pares brancos, não tinham capacidade financeira para financiar o estilo
de vida "mãe doméstica" na qual se encontravam "oprimidas" muitas
mulheres brancas durante grande parte do século 20 (até a explosão da
segunda vaga do feminismo nos finais da década 60). Ao mesmo tempo que
as mulheres brancas liam “The Feminine Mystique” e ruminavam sobre a
natureza "opressiva" do seu papel social como donas de casa mimadas a
viver nos subúrbios, as mulheres negras encontravam-se a trabalhar em
condições que muitas vezes eram pouco ideiais.
Portanto, como é que a mulher negra pode adoptar a narrativa da mulher
branca em torno do "patriarcado"? De forma clara, elas não podem. As
Americanas Nativas, as Hispânicas e as Sul-Asiáticas também não podem.
Esta narrativa chega-nos proveniente da perspectiva da mulher branca
(normalmente, alguém muito bem na vida) e como tal, as outras mulheres
pura e simplesmente não tiveram o mesmo tipo de experiência.
O Modelo da Europa do Leste
Antes que se pense que estou a adoptar uma visão "mulher branca vs
mulher não-branca", tem que ser ressalvado que muitas mulheres brancas
do Leste Europeu actual não podem adoptar o feminismo ocidental porque
o comunismo também as "libertou" dos papéis sexuais tradicionais.
Ao mesmo tempo que as mulheres do Reino Unido e dos EUA se encontravam
ocupadas a falar da opressiva restrição doméstica, e do seu desejo de
fazer tudo o que os homens fazem, as mulheres Soviéticas encontravam-se
nas linhas da frente a colocar balas nas cabeças Alemãs. Paralelamente,
as mulheres do Leste Europeu entravam na esfera masculina da sociedade
(servindo como pilotos de combate, tropas de combate, artilheiras de
tanques e a trabalhar nas fábricas após a guerra) antes e em maiores
números que as mulheres de qualquer outra parte do mundo. Até certo
ponto, era o que também acontecia na China Comunista.
Portanto, pode-se imaginar o quão pouco apelativa foi para as mulheres do Leste da Europa a retórica das
feministas brancas ocidentais
em torno da necessidade da mulher se libertar dos "papéis sexuais
tradicionais." Estas mulheres haviam já experimentado tal "emancipação"
mais do que qualquer mulher branca ocidental até essa altura, e
possivelmente até os dias de hoje (quantas mulheres se encontram na
linha da frente das tropas americanas?). Elas pura e simplesmente não
tinham qualquer tipo de necessidade desta narrativa, e muitas mulheres
do Leste provavelmente aprenderam o suficiente da mesma através da
experiência para saber que ela tem armadilhas sérias.
Para estas e outras mulheres (Africanas, Americanas Nativas e algumas
Asiáticas) os papéis sexuais tradicionais podem até nem ter a aparência
de serem prejudicais. Algumas podem até associar a menor incidência dos
papéis sexuais tradicionais com a opressão e/ou racismo. As mulheres
Negras, por exemplo, podem alegar que elas viram-se forçadas para fora
de casa, e para longe dos papéis tradicionais Europeus, devido ao
racismo envolvido na limitação do potencial económico dos homens
negros;
as mulheres
Negras podem também afirmar que o estatuto de dona de casa das mulheres
brancas . . . . era, na verdade, uma evidência do seu previlégio.
Para estas mulheres Negras, a perspectiva feminista das mulheres
brancas ocidentais não é fácil de entender, e nem é algo que valha a
pena lutar ou defender.
Conclusão:
O feminismo de género ocidental tal como o conhecemos, é um fenómeno da
mulher branca ocidental da classe média-alta. O seu foco em minimizar o
valor dos papéis sexuais tradicionais, bem como a promoção duma
irrealista igualdade sexual, encontra-se fundamentada no estatuto que
aquelas mulheres historicamente disfrutaram como
a mulher mais protegida, mimada, adorada e privilegiada da história,
e encontra-se construída para resolver problemas que ressoam com essa
experiência. As outras mulheres têm outros "feminismos" para lidar com
os problemas que elas enfrentam, mas esses "feminismos" são
fundamentalmente distintos do tipo de feminismo nós vêmos com
frequência no Ocidente.
* * * * * * *
Resumindo, o feminismo, para além de ser a mais bem sucedida obra de
engenharia social alguma vez imaginada pela hostes demoníacas, é também
um movimento que visa beneficiar/prioritizar os interesses das mulheres
brancas da classe
média-alta. Portanto, levantar oposição a este movimento, não é
promover "ódio às mulheres", e muito menos é criticar a mulher branca
como um todo; criticar o feminismo é criticar um movimento político
singular, gerido e manipulado pelas mulheres
brancas da classe média-alta, e financiado por homens
brancos, heterossexuais e fortemente patriarcais.
Convém ressalvar que o texto de maneira nenhuma afirma que só uma
mulher branca da classe média-alta fará parte do movimento feminista
ocidental. Semelhantemente, o autor não diz que só existem mulheres
brancas junto da elite feminista.
O que o texto diz é que o feminismo
ocidental não têm em vista o apoio ou o suporte de mulher em si, mas
sim a promoção e o avanço dos planos duma minoria ínfima de mulheres
brancas que pertence à classe média-alta.
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